A princípio a resposta a essa pergunta pode parecer tão óbvia que até mesmo o simples fato de perguntá-la pode enfurecer as pessoas. Pois muito embora os cristãos encontrem em Deus uma fonte de força moral que os ajuda a levar vidas melhores do que a que viveriam sem Deus, ainda assim seria arrogante e uma atitude de ignorância dizer que os incrédulos em geral não vivem vidas pautadas pela moral e pelo bem — e, na verdade, alguns vivem vidas que nos fazem sentir envergonhados.
Mas espere um momento! Embora seja arrogante e uma atitude de ignorância dizer que as pessoas não podem ser boas sem acreditar em Deus, não foi essa a pergunta que fiz. A minha pergunta foi: Podemos ser bons sem Deus? Ao fazer essa pergunta, estamos propondo uma pergunta sobre a natureza dos valores morais. Os valores que tanto prezamos são orientações que guiam nossa vida por meras convenções sociais, como dirigir do lado direito e não do esquerdo da rua? Ou são meras expressões de preferências pessoais, como o fato de gostarmos de determinados pratos? Ou eles são de alguma forma válidos e obrigatórios, independe do que pensamos sobre eles, e se são objetivos dessa maneira, qual o seu fundamento?
Um argumento moral em favor da existência de Deus
Muitos filósofos já pensaram que a moralidade fornece um bom argumento em favor da existência de Deus. Um dos mais admiráveis foi William Sorley, que foi professor de filosofia moral na Universidade de Cambridge. Em sua obra Moral Values and the Idea of God [Valores morais e a ideia de Deus] (1918), Sorley argumenta que a maior esperança para uma visão racional e unificada da realidade é defender a Deus como a base das ordens natural e moral.
Ele sustenta que existe uma ordem moral objetiva, que é tão real e independente de nós quanto à ordem natural das coisas. Ele reconhece que, em certo sentido, não podemos provar que essa ordem moral objetiva existe, mas também aponta que nesse mesmo sentido não podemos provar que à ordem natural dos objetos físicos existe! (Você poderia ser um corpo situado no Matrix, vivendo uma realidade virtual.) Portanto, a ordem moral e a ordem natural têm uma base semelhante. Do mesmo modo como presumimos a realidade do mundo dos objetos com base em nossas experiências sensoriais, também presumimos a realidade da ordem moral com base em nossa experiência moral.
Segundo a ótica de Sorley tanto a ordem natural quanto a moral são parte da realidade. Então, a pergunta é: Qual cosmovisão pode combinar essas duas ordens na forma de explicação mais coerente? Sorley defendia que a melhor explicação é Deus. Deve existir uma Mente eterna, infinita, que é o arquiteto da natureza e cujo propósito moral o ser humano e o universo estão gradualmente cumprindo.
Eu mesmo me deparei com o argumento moral quando falava nas universidades sobre o absurdo da vida sem Deus. Minha tese era que, se Deus não existir, então não existe um fundamento para os valores morais objetivos. Tudo se torna relativo. Para minha surpresa, a reação dos estudantes era insistir na existência de valores morais objetivos. Certas coisas são de fato certas ou erradas.
Ora, o que os estudantes diziam náo refutava de modo algum minha alegação de que sem Deus não existiriam valores morais objetivos. Ao contrário, sem querer eles forneceram a premissa que faltava em um argumento moral em favor da existência de Deus! Pois agora podemos argumentar:
1. Se Deus não existe, também não existem valores morais objetivos nem deveres.
2. Valores morais objetivos e obrigações existem.
3. Logo, Deus existe.
Esse simples argumento é fácil de memorizar e logicamente sólido. Tinha defendido a verdade da primeira premissa e os estudantes insistiram na segunda. As duas premissas em conjunto implicavam a existência de Deus.
O que dá mais força a esse argumento é o fato de que as pessoas geralmente acreditam em ambas as premissas. Em uma época pluralista como a nossa, os estudantes têm medo de impor seus valores a alguém. Assim, a primeira premissa parece correta para elas por causa de seu relativismo implícito. Ao mesmo tempo, certos valores foram profundamente incutidos nesses estudantes, valores como amor, tolerância e a atitude de ter uma mente aberta. Eles pensam ser objetivamente errado impor seus valores a alguém! Dessa forma, eles se comprometem profundamente com a segunda premissa também.
Esses fatos podem levar a diálogos bem estranhos. Lembro-me de ter conversado com um estudante que ficava indo e voltando nessas premissas. Quando falávamos sobre a primeira premissa, ele concordava com ela e negava a segunda premissa. Mas quando passávamos para a segunda premissa, ele concordava com ela e negava a primeira premissa e assim ficávamos nós dois, indo e voltando nas duas premissas, sem que ele fosse capaz de chegar a uma conclusão! Teria sido engraçado, se não fosse de partir o coração ver alguém se debatendo dessa maneira, em vão, para tentar evitar a Deus. Vamos examinar mais de perto cada uma das duas premissas do argumento a fim de ver o que voce pode dizer em defesa de ambas e quais objeçóes um incrédulo pode levantar contra elas.
PRIMEIRA PREMISSA
Se Deus não existe, também não existem valores morais objetivos nem deveres.
Duas distinções importantes
A primeira premissa envolve algumas distinções importantes que devemos primeiro compreender antes que possamos apreciar as razões para pensarmos que essa premissa é verdadeira.
Valores e deveres
Em primeiro lugar, note que eu faço uma distinção entre valores e deveres. Valor tem a ver com o fato de algo ser bom ou mau. Deveres têm a ver com o fato de algo ser certo ou errado. Ora, você pode pensar a princípio que essa distinção não faz diferença: bom e “certo significam a mesma coisa, e o mesmo vale para mau e “errado”. Mas se você pensar um pouco, verá que não é bem assim.
O dever tem a ver com uma obrigação moral, com aquilo que se deve ou não fazer. Mas é evidente que você não é moralmente obrigado a fazer algo somente porque seria bom que você fizesse aquilo. Por exemplo, seria bom que você se formasse em medicina, mas você não está moralmente obrigado a se tornar um médico. Afinal, também seria bom se você se tornasse um fazendeiro ou um diplomata, mas você não pode ser todas essas coisas. Além do mais, às vezes tudo que se tem são escolhas ruins (pense no filme A acolha de Sofia), embora não seja errado você escolher uma delas, uma vez que se tenha que escolher uma.
Assim, existe uma diferença entre bom e mau e certo e errado. Bom e mau têm a ver com o valor de algo, enquanto certo e errado têm a ver com o fato de algo ser obrigatório.
Objetivo e subjetivo
Em segundo lugar, existe uma diferença entre ser objetivo ou subjetivo. Por objetivo quero dizer “independente da opinião das pessoas” e por subjetivo, “dependente da opinião das pessoas”. Assim, afirmar que existem valores morais objetivos significa dizer que algo é bom ou mau independente do que as pessoas pensem a seu respeito. De forma semelhante, dizer que temos deveres morais objetivos e dizer que certas ações são certas ou erradas para nós, independente ao que as pessoas pensem.
Assim, por exemplo, dizer que o holocausto foi objetivamente errado é dizer que ele foi errado ainda que os nazistas que o levaram adiante pensassem que ele era correto, e continuaria a ser errado mesmo que eles tivessem vencido a guerra e conseguido exterminar ou fazer uma lavagem cerebral em todos que discordassem deles, para que todos acreditassem que o holocausto era correto.
A primeira premissa afirma que, se Deus não existe, então os valores e deveres morais não são objetivos nesse sentido.
Defesa da primeira premissa
Valores morais objetivos exigem a existência de Deus
Assim, consideremos primeiro os valores morais. Tradicionalmente os valores morais têm sido baseados em Deus, que é o bem supremo. Mas se Deus não existir, qual é a base dos valores morais? Em particular, por que pensamos que os seres humanos possuem valor moral? A forma mais popular de ateísmo é o naturalismo, que sustenta que as únicas coisas que existem são aquelas descritas pelas nossas melhores teorias científicas. Mas a ciência é moralmente neutra; não se pode encontrar valores morais em um tubo de ensaio. Segue-se imediatamente que os valores morais não existem na realidade; eles são meras ilusões dos seres humanos. Mesmo que um ateísta esteja disposto a ir além dos limites da ciência, por que pensar, dada uma cosmovisão ateísta, que os seres humanos são moralmente valiosos? Segundo uma visão naturalista os valores morais são apenas o subproduto da evolução biológica e do condicionamento social. Assim como um bando de babuínos demonstram ter um comportamento de cooperação e até mesmo de auto-sacrifício pelo fato de a seleção natural ter determinado que isso era vantajoso na luta pela sobrevivência, seu parente primata, o Homo sapiens, dá mostras de um comportamento semelhante pelos mesmos motivos. Em conseqüência de pressões sócio-biológicas, desenvolveu-se entre os Homo sapiens uma espécie de “moralidade de bando que funciona bem na perpetuação de nossa espécie.
Mas nessa visão ateísta não parece haver nada a respeito do Homo sapiens que faça dessa moralidade algo objetivamente verdadeiro. Se pudéssemos voltar o filme da evolução humana à origem e começar tudo de novo, pessoas com um conjunto de valores morais bem diferente poderiam muito bem ter evoluído.
Como escreveu o próprio Darwin na obra The Descent of Man [O declínio do homem]:
Se [...] os homens fossem criados precisamente sob as mesmas condições das abelhas de uma colmeia, dificilmente teríamos dúvida de que nossas fêmeas que não se casassem, assim como as abelhas operarias, acreditariam ser um dever sagrado matar seus irmãos, e as mães lutariam para matar suas filhas férteis, e ninguém pensaria em interferir.[1]
Pois pensar que os seres humanos são especiais e que nossa moralidade é objetivamente verdadeira é sucumbir à tentação do especismo, uma discriminação injustificada para com a nossa própria espécie.
Assim, se Deus não existir, parece não haver qualquer razão para considerar a moralidade de bando desenvolvida pelo Homo sapiens como algo objetivamente verdadeiro. Se tirarmos Deus do quadro, tudo que nos resta é uma criatura simiesca em uma partícula de poeira solar atormentada por delírios de grandeza moral.
Deveres morais objetivos exigem a existência de Deus
Consideremos agora os deveres morais. Tradicionalmente acredita- -se que nossos deveres morais vieram de ordens divinas como os Dez Mandamentos. Mas se Deus não existir, que base nos sobra para os deveres morais? Segundo a visão ateísta, os seres humanos são meros animais e animais não têm deveres morais uns para com os outros. Quando um leão mata uma zebra, ele apenas mata a zebra, mas não a assassina. Quando um enorme tubarão branco copula à força com uma fêmea de sua espécie, ele força a cópula, mas não a estupra — pois nenhum desses atos possui uma dimensão moral. Eles não são nem proibidos nem obrigatórios.
Assim, se Deus não existir, por que pensar que temos quaisquer deveres morais de fazer qualquer coisa? Quem ou o que nos impõe esses deveres morais? De onde esses deverem vêm? É difícil ver porque razão eles seriam algo mais do que uma impressão subjetiva, fruto do condicionamento social e familiar.
Certas ações, como o incesto e o estupro, podem não ser vantajosas em termos biológicos e sociais e, por isso, no curso da história da humanidade vieram a se tornar um tabu. Mas isso não faz absolutamente nada para mostrar que o estupro ou o incesto são comportamentos realmente errados. Tais coisas acontecem o tempo todo no reino animal. O estuprador que violasse a moralidade do bando não estaria fazendo nada mais grave do que agindo de forma deselegante, como alguém que arrota alto quando está à mesa. Se não tivermos alguém que faça as leis morais, então não existem deveres morais objetivos que devamos obedecer.
Esclarecimentos sobre o argumento
Ora, é extremamente importante que entendamos com clareza a questão diante de nós. Posso praticamente garantir que, se você compartilhar esse argumento moral com algum incrédulo, alguém dirá com indignação: “Você está dizendo que todos os ateístas são pessoas más?”. Eles pensarão que você é intolerante e julga todo mundo. Precisamos ajudá-los a ver que isso é uma total falta de compreensão do argumento.
A pergunta não é: Devemos acreditar em Deus a fim de viver uma vida moral? Não há motivo para pensar que os incrédulos não possam viver o que normalmente chamamos de uma vida boa e decente.
E a pergunta também não é: Podemos reconhecer a existência de valores e deveres morais sem acreditar em Deus? Não há motivo para pensar que alguém deve acreditar em Deus para reconhecer, por exemplo, que devemos amar nossos filhos.
E repito mais uma vez, a pergunta também não é: Podemos formular um sistema ético sem fazer referência a Deus? Se um incrédulo reconhecer o valor intrínseco da vida humana, não há motivo para pensar que ele não possa elaborar um código de conduta ética com o qual um cristão possa concordar em termos gerais. (É evidente que não levaremos em conta quaisquer deveres morais que tenhamos em relação a Deus.)
Antes, a verdadeira pergunta é: Se Deus não existir, existem valores e deveres morais? A questão não é se há necessidade de acreditar em Deus para ter uma moralidade objetiva, mas sim se há necessidade de que Deus exista para que exista uma moralidade objetiva.
Tenho ficado chocado em ver como até mesmo filósofos profissionais, que deveriam saber isso, confundem essas duas questões. Por exemplo, eu participei certa vez de um debate em uma faculdade com o filosofo humanista Paul Kurtz, sobre o tema ‘A bondade sem Deus é boa o bastante”. Na ocasião, argumentei que se Deus não existe, então não existem nem valores nem deveres morais objetivos e nem mesmo responsabilização pelos atos cometidos.
Para minha surpresa, o professor Kurtz perdeu-se completamente na questão. Ele respondeu:
Se Deus é essencial, então como é possível que milhões de pessoas que não acreditam em Deus, mas, mesmo assim, têm uma conduta moral? Segundo a sua visão, elas não deveriam ter. E, por isso, o seu Deus não é essencial [...] Muitas pessoas têm sido otimistas em relação à vida; têm vivido uma vida plena [...] e têm achado a vida emocionante e [...] cheia de sentido. Elas também não ficam se preocupando cm saber se existe ou não vida após a morte. É viver aqui e agora que interessa.[2]
Os pontos que Kurtz levantou mostram apenas que crer em Deus não é essencial para viver uma vida moral e ter uma visão otimista da vida. Mas nada faz em termos de refutar minha alegação de que, se Deus não existe, então a moralidade humana é mera ilusão. Repito: Acreditar em Deus não é algo necessário para a moralidade objetiva; mas Deus é.
O dilema de Eutífron
A outra resposta que você pode ter como certa partindo dos incrédulos é o chamado dilema de Eutífron, que recebe esse nome em função de um dos diálogos de Platão. Basicamente é assim: Há algo bom por que Deus deseja que seja assim? Ou Deus deseja algo por que isso é bom? Se disser que algo é bom porque Deus deseja que seja assim, então o bem se torna arbitrário. Deus poderia ter desejado que o mal fosse bom, e então teríamos sido moralmente obrigados a odiar uns aos outros. Isso parece loucura. Alguns valores morais, ao menos, parecem ser necessários. Mas se você disser que Deus deseja algo por que isso é bom, então o que é bom ou mau independe de Deus. Nesse caso, valores e deveres morais existem independentemente de Deus, o que contradiz a primeira premissa.
Resposta ao dilema de Eutífron
Não precisamos refutar as duas alternativas do dilema de Eutífron, pois o dilema que nos é apresentado é falso: Existe uma terceira alternativa, a saber, Deus deseja algo porque Deus é bom. O que quero dizer com isso? Quero dizer que a própria natureza de Deus é o padrão do que é bom, e seus mandamentos para nós são expressão de sua natureza. Em síntese, nossos deveres morais são mandamentos de um Deus justo e bom.
Então, os valores morais não independem de Deus, pois o próprio caráter de Deus define o que é bom. Deus é essencialmente misericordioso, justo, bom, imparcial e assim por diante. Sua natureza e o padrão moral que define o bom e o mau. Seus mandamentos necessariamente refletem sua natureza moral. Portanto, eles não são arbitrários. Então, quando um ateísta disser, “Se Deus ordenasse que se abusássemos de uma criança, estaríamos obrigados a fazer isso?”, ele na verdade está perguntando algo assim: "Se houvesse um círculo quadrado, sua área seria o quadrado de um de seus lados? Não há resposta para isso, pois essa suposição é logicamente impossível.
Assim, o dilema de Eutífron nos apresenta uma falsa alternativa, e não devemos nos deixar enganar por ela. O que é moralmente bom ou mau é definido pela natureza de Deus, e o que é moralmente certo ou errado é determinado pela vontade de Deus. Deus deseja algo porque Ele é bom, e algo é certo porque Deus o deseja.
Platonismo moral ateísta: Os valores morais simplesmente existem
A menção a Platão nos traz à mente outra possível resposta à primeira premissa. Platão acreditava que o bem apenas existia por si mesmo, como uma espécie de ideia autoexistente. (Se você acha isso difícil de entender, junte-se ao time!) Pensadores cristãos posteriores equipararam o bem de Platão à natureza moral de Deus; mas Platão pensava que o bem apenas existia por si mesmo. Assim, alguns ateístas poderiam dizer que valores morais como a justiça, a misericórdia, o amor e assim por diante existem sem qualquer fundamento. Podemos chamar essa visão de platonismo moral ateísta. Ela delende que valores morais objetivos existem, mas não são fundamentados em Deus. O que podemos dizer dessa visão?
Resposta ao platonismo moral ateísta
Em primeiro lugar, o platonismo moral ateísta parece ininteligível. O que significa, por exemplo, dizer que o valor moral da justiça apenas existe? E difícil tirar algum sentido disso. É fácil compreender o que significa dizer que alguém é justo, mas é desconcertante quando alguém diz que a justiça existe por si só, na ausência de qualquer pessoa. Os valores morais parecem ser propriedades das pessoas, e é difícil entender como a justiça possa existir como uma abstração.
Em segundo lugar, essa visão não fornece uma base para os deveres morais. Vamos supor, a título de argumentação, que valores morais como a justiça, a lealdade, a misericórdia, a paciência e outros apenas existam. Como isso resultaria cm qualquer obrigação moral para mim? Por que eu teria um dever moral de ser, por exemplo, misericordioso? Quem ou o que imporia tal obrigação a mim? Note que, segundo essa visão, vícios morais como cobiça, ódio, apatia e egoísmo também presumivelmente existem por si só, como abstrações. Então, por que somos obrigados a alinhar nossa vida com um dos grupos desses objetos abstratamente existentes em vez do outro? O platonismo moral ateísta, pela falta de um legislador moral, não tem fundamentos para a obrigação moral.
Em terceiro lugar, é fantasticamente improvável que o processo evolutivo cego fosse capaz de cuspir precisamente o tipo de criaturas que correspondessem ao domínio abstratamente existente dos valores morais. Isso parece ser uma coincidência totalmente não crível, quando se pensa nela. É quase como se o domínio moral soubesse que estávamos chegando. E muito mais plausível, como Sorley defendia, pensar que o domínio moral e o domínio natural estão sob a autoridade de um Deus que nos deu tanto as leis da natureza quanto a lei moral, do que pensar que esses dois domínios independentes apenas se entrosaram por acaso.
Humanismo obstinado: O que quer que contribua para o progresso humano é bom
Então, o que um ateísta faz a esta altura? A maior parte deles quer afirmar a realidade objetiva dos valores e deveres morais. Então, eles simplesmente abraçam alguma espécie de humanismo e param por aí. O que quer que contribua para o progresso humano é bom e o que quer que o impeça é mau, e a história termina por aqui.
Resposta ao humanismo obstinado
No entanto, simplesmente tomar o progresso humano como ponto de parada final parece ser prematuro, devido a arbitrariedade e implausibilidade desse ponto.
Trataremos primeiro de sua arbitrariedade. Dado o ateísmo, por que acreditar que aquilo que conduz ao progresso humano seja de algum modo mais valioso do que aquilo que conduz ao progresso de formigas ou camundongos? Por que pensar que infligir o mal a outro membro de nossa espécie é algo errado? Quando fiz essa pergunta ao ceticista Walter Sinnott-Armstrong, em nosso debate sobre a existência de Deus, a resposta dele foi: “Porque simplesmente é. Objetivamente. Você não concorda?[3] É evidente que eu concordo ser errado infligir o mal a outro ser humano, mas disse a ele que não havia sido essa a minha pergunta. A pergunta que fiz foi: Por que isso seria errado se o ateísmo fosse verdadeiro? Quando fiz essa mesma pergunta a uma filósofa da Universidade de Massachusetts, Louise Antony, em nosso debate “Deus é necessário para a moralidade? , ela prontamente respondeu: “Eu me pergunto se você tem amigos. . Eu apenas sorri — mas o ponto continua sendo que, quer gostemos ou não, dada uma cosmovisão ateísta, escolher o progresso humano como moralmente especial parece ser arbitrário.
Falemos agora da questão da implausibilidade. Os ateístas às vezes dizem que propriedades morais, como a bondade ou a maldade, necessariamente se vinculam a certos estados naturais de coisas. Por exemplo, a propriedade da maldade necessariamente está vinculada à ação de um homem que bate na esposa. A propriedade da bondade necessariamente está vinculada ao fato de uma mãe amamentar seu bebê. Os ateístas dirão que, uma vez que as propriedades puramente naturais estão em seu devido lugar, então as propriedades morais as acompanham. Ora, dado o ateísmo, isso parece extraordinariamente implausível. Por que pensar que essas propriedades morais como a “bondade” e a “maldade”, estranhas e não naturais, sequer existam, quanto mais pensar que de algum modo elas necessariamente se vinculam a vários estados naturais de coisas? Não consigo enxergar uma boa razão sequer para pensar que, dada uma cosmovisão ateísta, uma descrição completa das propriedades naturais envolvidas em alguma situação determinaria ou estabeleceria quaisquer propriedades morais dessa situação.
Esses filósofos humanistas adotaram simplesmente uma abordagem às questões éticas semelhante a uma “lista de compras”. Por sustentarem o humanismo, eles só se servem das propriedades morais que precisam para sua tarefa. O que é preciso para tornar a visão deles plausível é algum tipo de explicação do porquê de propriedades morais se vincularem a certos estados naturais de coisas. De novo, é inadequado para um humanista afirmar que nós, de fato, vemos que os seres humanos possuem valor moral intrínseco, pois isso não está em discussão. Na verdade, essa é a segunda premissa do argumento moral! O que queremos dos humanistas é alguma razão para pensar que os seres humanos seriam moralmente importantes se o ateísmo fosse verdade. Da forma como está, o humanismo deles é apenas uma questão de crença moral obstinada.
Por contraste, Deus é um ponto de parada natural, como fundamento para valores e deveres morais objetivos. Pois, ao menos que todos sejamos niilistas morais, temos que reconhecer algum ponto de parada, e Deus, como realidade última, é o lugar natural para separar. Além disso, Deus é, por definição, digno de ser adorado, de modo que ele deve ser a personificação da perfeita bondade moral. Repito, Deus, por definição, é o maior dos seres concebíveis, e um ser que é o fundamento e a fonte da bondade é maior do que outro que meramente toma parte nessa bondade. Assim, o teísmo não se caracteriza pelo mesmo tipo de arbitrariedades e implausibilidade que aflige o humanismo obstinado.
SEGUNDA PREMISSA
Existem valores e deveres morais objetivos.
Isso nos traz a nossa segunda premissa, que afirma que existem valores e deveres morais objetivos. A princípio pensei que essa seria a premissa mais controvertida do argumento. No entanto, em meus debates com filósofos ateus, descobri que praticamente ninguém a refuta. Pode ser que você fique surpreso ao saber que pesquisas feitas em diversas universidades revelam que, talvez contrariando a primeira impressão, os professores em geral se mostram mais propensos em acreditar em valores morais objetivos do que os estudantes, e que os professores de filosofia se mostram mais propensos em acreditar em valores morais objetivos do que os demais professores!
Experiência moral
Os filósofos, ao refletir sobre nossa experiência moral, não veem razões para desconfiar dessa experiência mais do que veem para a experiência dos nossos cinco sentidos. Acredito naquilo que meus cinco sentidos me dizem, ou seja, que existe um mundo de objetos físicos à minha volta. Meus sentidos não são infalíveis, mas isso não me leva a pensar que não haja um mundo exterior à minha volta. Do mesmo modo, na ausência de alguma razão para desconfiar de minha experiência moral, devo aceitar o que ela me diz, isto é, que algumas coisas são objetivamente boas ou más, certas ou erradas.
A maioria de nós concorda que em experiências morais nós apreendemos valores e deveres objetivos. Quando estava participando de uma palestra, Há muitos anos, em uma universidade canadense, notei que havia um pôster colocado no campus pelo Centro de Informações sobre Agressão Sexual. Nele estava escrito: “Agressão sexual:
Ninguém tem o direito de abusar sexualmente de uma criança, de uma mulher ou de um homem”. A grande maioria reconhece que abusar sexualmente de outra pessoa é errado. Ações como estupro, tortura e abuso infantil não são apenas comportamentos socialmente inaceitáveis — são verdadeiras abominações morais. Pelo mesmo motivo, o amor, a generosidade e o autossacrifício são realmente bons. Pessoas que não conseguem ver isso são as que simplesmente possuem alguma deficiência, o equivalente moral de alguém que seja fisicamente cego, e não há nenhum motivo para permitir que a incapacidade delas coloque em questão aquilo que vemos com clareza.
Descobri que, embora as pessoas falem de relativismo da boca para fora, 95 por cento delas pode ser rapidamente convencidas de que os valores morais objetivos de fato existem. Tudo que preciso e dar algumas ilustrações e deixar que decidam por si mesmas. Pergunte a elas o que pensam da prática hindu de queimar viva uma viúva no funeral do marido, ou o que pensam do costume chinês de aleijar mulheres pelo resto da vida, ao atar seus pés desde a infância para que fiquem parecidos com flores de lótus. Você pode deixar a questão especialmente eficaz ao citar atrocidades morais cometidas em nome da religião. Pergunte a elas o que pensam das Cruzadas e da Inquisição. Pergunte a elas se acham certo que padres católicos abusem sexualmente de garotos pequenos e se é normal a igreja tentar encobri-los. Se você estiver lidando com alguém que seja honesto em seus questionamentos, posso garantir que em praticamente todos os exemplos citados essa pessoa vai concordar que existem valores e deveres morais objetivos.
E evidente que algumas vezes você se verá frente a frente com durões, mas em geral a posição que eles defendem parecerá tão extrema que será rejeitada pelos demais. Por exemplo, há alguns anos, em um encontro da Sociedade de Literatura Bíblica, assisti a um painel de discussão sobre Autoridade bíblica e homossexualismo”, onde todos os participantes do painel endossavam a legitimidade da atividade homossexual. Um deles descartava as proibições bíblicas de tal atividade com o argumento de que elas refletiam o contexto cultural em que foram escritas. Uma vez que esse é o caso de todas as ordens dadas nas Escrituras (pois a Bíblia não foi escrita no vazio), ele concluiu dizendo que “não existem nas Escrituras verdades morais atemporais e normativas”. Na discussão que se seguiu, eu argumentei que uma visão como a dele leva ao relativismo sociocultural, o que torna impossível criticar os valores morais de qualquer sociedade, inclusive de uma sociedade que persiga os homossexuais!
Ele respondeu com uma lenga-lenga teológica meio obscura e alegou que não há lugar fora das Escrituras onde possamos encontrar valores morais atemporais também. “Mas isso é precisamente o que chamamos de relativismo moral”, disse eu. “De fato, na sua visão não há conteúdo para a noção da bondade de Deus. Ele poderia estar perfeitamente morto. E Nietzsche reconheceu que a morte de Deus leva ao niilismo”. Nesse momento outra participante do painel se manifestou com uma refutação do tipo cala-boca: “Bem, se você vai começar a ser pejorativo, podemos perfeitamente deixar de discutir a questão”.
Acomodei-me em meu assento, mas aquela questão não estava superada pela audiência. Um homem da platéia se levantou e disse: “Espere um pouco. Estou confuso. Sou pastor e as pessoas sempre vem até mim e perguntam se algo que fizeram é errado e se precisam ser perdoadas. Por exemplo, o abusar de uma criança não é sempre errado?”. Eu mal acreditei na resposta de um dos participantes do painel. Ela disse: “O que pode ser classificado como abuso muda de sociedade para sociedade, de modo que não podemos de fato usar a palavra abuso sem associá-la a um contexto histórico”.
“Chame como você quiser”, insistiu o pastor, “mas abusar de criança é algo prejudicial a ela. Não é errado prejudicar uma criança?”. Mas nem assim a participante do painel que estava discutindo com ele admitia o que ele estava tentando mostrar! Esse tipo de dureza de coração é, em última análise, como um tiro que sai pela culatra em relação ao relativismo moral, e expõe aos olhos da maioria das pessoas a decadência dessa cosmovisão.
Objeções sociobiológicas à experiência moral
A questão, então, é a seguinte: Temos alguma razão primordial para não confiar em nossa experiência moral? Alguns alegam que a explicação sociobiológica das origens da moralidade debilita nossa experiência moral. Segundo essa explicação, como todos se lembram, nossas crenças morais foram incutidas em nós pela evolução e pelo condicionamento social. Isso nos dá razão para desconfiar de nossa experiência moral?
Resposta às objeções sociobiológicas
A explicação sociobiológica claramente nada faz para diminuir a verdade de nossas crenças morais. Pois a verdade de uma crença independe de como alguém veio a sustentá-la. Você pode ter adquirido suas crenças morais por meio de um biscoitinho da sorte ou da leitura de folhas de chá, e ainda assim pode acontecer de elas serem verdadeiras. Em particular, se Deus existe, então existem valores e deveres morais objetivos, a despeito de como viemos a aprendê- -los. A explicação sociobiológica, na melhor das hipóteses, prova que nossa percepção dos valores e deveres morais evoluiu. Mas se os valores morais são gradativamente descobertos, e não inventados, então nossa percepção gradual desses valores não diminui mais sua realidade objetiva do que a percepção falível e gradual que temos do mundo físico diminui sua realidade objetiva.
Mas talvez a explicação sociobiológica diminua não a verdade de nossas crenças morais, mas sim nossas justificativas para sustentá-las. Se suas crenças morais estiverem baseadas na leitura de folhas de chá, elas podem acidentalmente até mesmo virem a ser verdadeiras, mas você não terá qualquer justificativa para pensar que elas são verdadeiras. Assim, você não saberia que elas são verdadeiras.
Do mesmo modo, a objeção é que, se nossas crenças morais foram moldadas pela evolução, então não podemos ter qualquer confiança nelas, pois a evolução tem como alvo não a verdade, mas a sobrevivência. Nossas crenças morais serão escolhidas por seu valor em face da sobrevivência, não por sua verdade. Assim, não podemos confiar em nossa experiência moral e, portanto, não sabemos se a segunda premissa é verdadeira.
Existem dois problemas com essa objeção para nosso conhecimento da segunda premissa. Primeiro, essa objeção assume que o ateísmo é verdade. Se Deus não existe, então nossas crenças morais são selecionadas pela evolução unicamente por seu valor para a sobrevivência, e não por sua verdade. Eu mesmo forcei esse ponto na defesa da primeira premissa. Se Deus não existe, então a explicação sociobiológica é verdadeira, e nossas crenças morais são ilusórias. Mas veja bem, não há razão para pensar que a explicação sociobiológica seja verdadeira. Na verdade, se Deus existe, então é provável que ele quer que tenhamos crenças morais fundamentalmente corretas e, por isso, teria guiado o processo evolutivo para produzir tais crenças ou as teria incutido em nós (Rm 2.1 5). Deixando de lado a presunção feita pelo ateísmo, nós não temos razões para negar o que nossa experiência moral nos diz.
O segundo problema com essa objeção é que ela é autodestrutiva. Dada a verdade do naturalismo, todas as nossas crenças, e não apenas as nossas crenças morais, são fruto da evolução e do condicionamento social. Assim, a explicação evolucionaria leva ao ceticismo acerca do conhecimento em geral. Mas isso é um argumento autodestrutivo, pois então deveríamos ser céticos em relação ao próprio processo evolucionário. Uma vez que ele também é fruto da evolução e do condicionamento social! A objeção, portanto, destrói a si mesma. Então, dada a garantia fornecida pela segunda premissa por nossa experiência moral, temos justificativas para pensar que os deveres e valores morais existem.
Conclusão
A partir das duas premissas de que falamos, segue-se que Deus existe. O argumento moral complementa o argumento cosmológico e o argumento do design ao nos falar sobre a natureza moral do Criador do universo. Ele nos dá um ser pessoal, necessariamente existente, que não só é perfeitamente bom, mas cuja natureza é o padrão de bondade e cujas ordens se constituem em nossos deveres morais. Na minha experiência pessoal, o argumento moral é o mais eficaz de todos os argumentos em favor da existência de Deus. Digo isso a contragosto, pois meu argumento favorito é o cosmológico. Mas os argumentos cosmológico e teológico não alcançam as pessoas onde elas estão. O argumento moral não pode ser tão facilmente deixado de lado. Pois, a cada novo dia, você responde a pergunta se existem ou não deveres e valores morais pelo modo como você vive. É inevitável. Portanto, respondendo a pergunta com que abri o capítulo: Não, nós não podemos ser verdadeiramente bons sem Deus; mas se nós podemos ser bons, em alguma medida que seja, então se segue que Deus existe.
Por William Lane Craig
Extraído do Livro "EM GUARDA - Defenda a fé Cristã com Razão e Precisão"
Cap.6, Pág. 138-158 - PODEMOS SER BONS SEM DEUS?
Tradução Marisa K. de Siqueira Lopes. São Paulo: Vida Nova, 2011.
Notas:
1 - Charles Darwin, The Descent of Man and Selection in Relation to Sex. Nova Iorque: D. Appleton & Company, 1909, p. 100.
2 - William Lane Craig e Paul Kurtz, “The Kurtz/Craig Debate”, in Goodnes. without God is Good Enough, ed. Robert Garcia e Nathan King. Lanham: Rowman & Littlefield, 2008, p. 34.
3 - William Lane Craig e Walter Sinnott-Armstrong, God?: A Debate between a Christian and an Atheist. New York: Oxford University Press, 2003, p. 34.
Mas espere um momento! Embora seja arrogante e uma atitude de ignorância dizer que as pessoas não podem ser boas sem acreditar em Deus, não foi essa a pergunta que fiz. A minha pergunta foi: Podemos ser bons sem Deus? Ao fazer essa pergunta, estamos propondo uma pergunta sobre a natureza dos valores morais. Os valores que tanto prezamos são orientações que guiam nossa vida por meras convenções sociais, como dirigir do lado direito e não do esquerdo da rua? Ou são meras expressões de preferências pessoais, como o fato de gostarmos de determinados pratos? Ou eles são de alguma forma válidos e obrigatórios, independe do que pensamos sobre eles, e se são objetivos dessa maneira, qual o seu fundamento?
Um argumento moral em favor da existência de Deus
Muitos filósofos já pensaram que a moralidade fornece um bom argumento em favor da existência de Deus. Um dos mais admiráveis foi William Sorley, que foi professor de filosofia moral na Universidade de Cambridge. Em sua obra Moral Values and the Idea of God [Valores morais e a ideia de Deus] (1918), Sorley argumenta que a maior esperança para uma visão racional e unificada da realidade é defender a Deus como a base das ordens natural e moral.
Ele sustenta que existe uma ordem moral objetiva, que é tão real e independente de nós quanto à ordem natural das coisas. Ele reconhece que, em certo sentido, não podemos provar que essa ordem moral objetiva existe, mas também aponta que nesse mesmo sentido não podemos provar que à ordem natural dos objetos físicos existe! (Você poderia ser um corpo situado no Matrix, vivendo uma realidade virtual.) Portanto, a ordem moral e a ordem natural têm uma base semelhante. Do mesmo modo como presumimos a realidade do mundo dos objetos com base em nossas experiências sensoriais, também presumimos a realidade da ordem moral com base em nossa experiência moral.
Segundo a ótica de Sorley tanto a ordem natural quanto a moral são parte da realidade. Então, a pergunta é: Qual cosmovisão pode combinar essas duas ordens na forma de explicação mais coerente? Sorley defendia que a melhor explicação é Deus. Deve existir uma Mente eterna, infinita, que é o arquiteto da natureza e cujo propósito moral o ser humano e o universo estão gradualmente cumprindo.
Eu mesmo me deparei com o argumento moral quando falava nas universidades sobre o absurdo da vida sem Deus. Minha tese era que, se Deus não existir, então não existe um fundamento para os valores morais objetivos. Tudo se torna relativo. Para minha surpresa, a reação dos estudantes era insistir na existência de valores morais objetivos. Certas coisas são de fato certas ou erradas.
Ora, o que os estudantes diziam náo refutava de modo algum minha alegação de que sem Deus não existiriam valores morais objetivos. Ao contrário, sem querer eles forneceram a premissa que faltava em um argumento moral em favor da existência de Deus! Pois agora podemos argumentar:
1. Se Deus não existe, também não existem valores morais objetivos nem deveres.
2. Valores morais objetivos e obrigações existem.
3. Logo, Deus existe.
Esse simples argumento é fácil de memorizar e logicamente sólido. Tinha defendido a verdade da primeira premissa e os estudantes insistiram na segunda. As duas premissas em conjunto implicavam a existência de Deus.
O que dá mais força a esse argumento é o fato de que as pessoas geralmente acreditam em ambas as premissas. Em uma época pluralista como a nossa, os estudantes têm medo de impor seus valores a alguém. Assim, a primeira premissa parece correta para elas por causa de seu relativismo implícito. Ao mesmo tempo, certos valores foram profundamente incutidos nesses estudantes, valores como amor, tolerância e a atitude de ter uma mente aberta. Eles pensam ser objetivamente errado impor seus valores a alguém! Dessa forma, eles se comprometem profundamente com a segunda premissa também.
Esses fatos podem levar a diálogos bem estranhos. Lembro-me de ter conversado com um estudante que ficava indo e voltando nessas premissas. Quando falávamos sobre a primeira premissa, ele concordava com ela e negava a segunda premissa. Mas quando passávamos para a segunda premissa, ele concordava com ela e negava a primeira premissa e assim ficávamos nós dois, indo e voltando nas duas premissas, sem que ele fosse capaz de chegar a uma conclusão! Teria sido engraçado, se não fosse de partir o coração ver alguém se debatendo dessa maneira, em vão, para tentar evitar a Deus. Vamos examinar mais de perto cada uma das duas premissas do argumento a fim de ver o que voce pode dizer em defesa de ambas e quais objeçóes um incrédulo pode levantar contra elas.
PRIMEIRA PREMISSA
Se Deus não existe, também não existem valores morais objetivos nem deveres.
Duas distinções importantes
A primeira premissa envolve algumas distinções importantes que devemos primeiro compreender antes que possamos apreciar as razões para pensarmos que essa premissa é verdadeira.
Valores e deveres
Em primeiro lugar, note que eu faço uma distinção entre valores e deveres. Valor tem a ver com o fato de algo ser bom ou mau. Deveres têm a ver com o fato de algo ser certo ou errado. Ora, você pode pensar a princípio que essa distinção não faz diferença: bom e “certo significam a mesma coisa, e o mesmo vale para mau e “errado”. Mas se você pensar um pouco, verá que não é bem assim.
O dever tem a ver com uma obrigação moral, com aquilo que se deve ou não fazer. Mas é evidente que você não é moralmente obrigado a fazer algo somente porque seria bom que você fizesse aquilo. Por exemplo, seria bom que você se formasse em medicina, mas você não está moralmente obrigado a se tornar um médico. Afinal, também seria bom se você se tornasse um fazendeiro ou um diplomata, mas você não pode ser todas essas coisas. Além do mais, às vezes tudo que se tem são escolhas ruins (pense no filme A acolha de Sofia), embora não seja errado você escolher uma delas, uma vez que se tenha que escolher uma.
Assim, existe uma diferença entre bom e mau e certo e errado. Bom e mau têm a ver com o valor de algo, enquanto certo e errado têm a ver com o fato de algo ser obrigatório.
Objetivo e subjetivo
Em segundo lugar, existe uma diferença entre ser objetivo ou subjetivo. Por objetivo quero dizer “independente da opinião das pessoas” e por subjetivo, “dependente da opinião das pessoas”. Assim, afirmar que existem valores morais objetivos significa dizer que algo é bom ou mau independente do que as pessoas pensem a seu respeito. De forma semelhante, dizer que temos deveres morais objetivos e dizer que certas ações são certas ou erradas para nós, independente ao que as pessoas pensem.
Assim, por exemplo, dizer que o holocausto foi objetivamente errado é dizer que ele foi errado ainda que os nazistas que o levaram adiante pensassem que ele era correto, e continuaria a ser errado mesmo que eles tivessem vencido a guerra e conseguido exterminar ou fazer uma lavagem cerebral em todos que discordassem deles, para que todos acreditassem que o holocausto era correto.
A primeira premissa afirma que, se Deus não existe, então os valores e deveres morais não são objetivos nesse sentido.
Defesa da primeira premissa
Valores morais objetivos exigem a existência de Deus
Assim, consideremos primeiro os valores morais. Tradicionalmente os valores morais têm sido baseados em Deus, que é o bem supremo. Mas se Deus não existir, qual é a base dos valores morais? Em particular, por que pensamos que os seres humanos possuem valor moral? A forma mais popular de ateísmo é o naturalismo, que sustenta que as únicas coisas que existem são aquelas descritas pelas nossas melhores teorias científicas. Mas a ciência é moralmente neutra; não se pode encontrar valores morais em um tubo de ensaio. Segue-se imediatamente que os valores morais não existem na realidade; eles são meras ilusões dos seres humanos. Mesmo que um ateísta esteja disposto a ir além dos limites da ciência, por que pensar, dada uma cosmovisão ateísta, que os seres humanos são moralmente valiosos? Segundo uma visão naturalista os valores morais são apenas o subproduto da evolução biológica e do condicionamento social. Assim como um bando de babuínos demonstram ter um comportamento de cooperação e até mesmo de auto-sacrifício pelo fato de a seleção natural ter determinado que isso era vantajoso na luta pela sobrevivência, seu parente primata, o Homo sapiens, dá mostras de um comportamento semelhante pelos mesmos motivos. Em conseqüência de pressões sócio-biológicas, desenvolveu-se entre os Homo sapiens uma espécie de “moralidade de bando que funciona bem na perpetuação de nossa espécie.
Mas nessa visão ateísta não parece haver nada a respeito do Homo sapiens que faça dessa moralidade algo objetivamente verdadeiro. Se pudéssemos voltar o filme da evolução humana à origem e começar tudo de novo, pessoas com um conjunto de valores morais bem diferente poderiam muito bem ter evoluído.
Como escreveu o próprio Darwin na obra The Descent of Man [O declínio do homem]:
Se [...] os homens fossem criados precisamente sob as mesmas condições das abelhas de uma colmeia, dificilmente teríamos dúvida de que nossas fêmeas que não se casassem, assim como as abelhas operarias, acreditariam ser um dever sagrado matar seus irmãos, e as mães lutariam para matar suas filhas férteis, e ninguém pensaria em interferir.[1]
Pois pensar que os seres humanos são especiais e que nossa moralidade é objetivamente verdadeira é sucumbir à tentação do especismo, uma discriminação injustificada para com a nossa própria espécie.
Assim, se Deus não existir, parece não haver qualquer razão para considerar a moralidade de bando desenvolvida pelo Homo sapiens como algo objetivamente verdadeiro. Se tirarmos Deus do quadro, tudo que nos resta é uma criatura simiesca em uma partícula de poeira solar atormentada por delírios de grandeza moral.
Deveres morais objetivos exigem a existência de Deus
Consideremos agora os deveres morais. Tradicionalmente acredita- -se que nossos deveres morais vieram de ordens divinas como os Dez Mandamentos. Mas se Deus não existir, que base nos sobra para os deveres morais? Segundo a visão ateísta, os seres humanos são meros animais e animais não têm deveres morais uns para com os outros. Quando um leão mata uma zebra, ele apenas mata a zebra, mas não a assassina. Quando um enorme tubarão branco copula à força com uma fêmea de sua espécie, ele força a cópula, mas não a estupra — pois nenhum desses atos possui uma dimensão moral. Eles não são nem proibidos nem obrigatórios.
Assim, se Deus não existir, por que pensar que temos quaisquer deveres morais de fazer qualquer coisa? Quem ou o que nos impõe esses deveres morais? De onde esses deverem vêm? É difícil ver porque razão eles seriam algo mais do que uma impressão subjetiva, fruto do condicionamento social e familiar.
Certas ações, como o incesto e o estupro, podem não ser vantajosas em termos biológicos e sociais e, por isso, no curso da história da humanidade vieram a se tornar um tabu. Mas isso não faz absolutamente nada para mostrar que o estupro ou o incesto são comportamentos realmente errados. Tais coisas acontecem o tempo todo no reino animal. O estuprador que violasse a moralidade do bando não estaria fazendo nada mais grave do que agindo de forma deselegante, como alguém que arrota alto quando está à mesa. Se não tivermos alguém que faça as leis morais, então não existem deveres morais objetivos que devamos obedecer.
Esclarecimentos sobre o argumento
Ora, é extremamente importante que entendamos com clareza a questão diante de nós. Posso praticamente garantir que, se você compartilhar esse argumento moral com algum incrédulo, alguém dirá com indignação: “Você está dizendo que todos os ateístas são pessoas más?”. Eles pensarão que você é intolerante e julga todo mundo. Precisamos ajudá-los a ver que isso é uma total falta de compreensão do argumento.
A pergunta não é: Devemos acreditar em Deus a fim de viver uma vida moral? Não há motivo para pensar que os incrédulos não possam viver o que normalmente chamamos de uma vida boa e decente.
E a pergunta também não é: Podemos reconhecer a existência de valores e deveres morais sem acreditar em Deus? Não há motivo para pensar que alguém deve acreditar em Deus para reconhecer, por exemplo, que devemos amar nossos filhos.
E repito mais uma vez, a pergunta também não é: Podemos formular um sistema ético sem fazer referência a Deus? Se um incrédulo reconhecer o valor intrínseco da vida humana, não há motivo para pensar que ele não possa elaborar um código de conduta ética com o qual um cristão possa concordar em termos gerais. (É evidente que não levaremos em conta quaisquer deveres morais que tenhamos em relação a Deus.)
Antes, a verdadeira pergunta é: Se Deus não existir, existem valores e deveres morais? A questão não é se há necessidade de acreditar em Deus para ter uma moralidade objetiva, mas sim se há necessidade de que Deus exista para que exista uma moralidade objetiva.
Tenho ficado chocado em ver como até mesmo filósofos profissionais, que deveriam saber isso, confundem essas duas questões. Por exemplo, eu participei certa vez de um debate em uma faculdade com o filosofo humanista Paul Kurtz, sobre o tema ‘A bondade sem Deus é boa o bastante”. Na ocasião, argumentei que se Deus não existe, então não existem nem valores nem deveres morais objetivos e nem mesmo responsabilização pelos atos cometidos.
Para minha surpresa, o professor Kurtz perdeu-se completamente na questão. Ele respondeu:
Se Deus é essencial, então como é possível que milhões de pessoas que não acreditam em Deus, mas, mesmo assim, têm uma conduta moral? Segundo a sua visão, elas não deveriam ter. E, por isso, o seu Deus não é essencial [...] Muitas pessoas têm sido otimistas em relação à vida; têm vivido uma vida plena [...] e têm achado a vida emocionante e [...] cheia de sentido. Elas também não ficam se preocupando cm saber se existe ou não vida após a morte. É viver aqui e agora que interessa.[2]
Os pontos que Kurtz levantou mostram apenas que crer em Deus não é essencial para viver uma vida moral e ter uma visão otimista da vida. Mas nada faz em termos de refutar minha alegação de que, se Deus não existe, então a moralidade humana é mera ilusão. Repito: Acreditar em Deus não é algo necessário para a moralidade objetiva; mas Deus é.
O dilema de Eutífron
A outra resposta que você pode ter como certa partindo dos incrédulos é o chamado dilema de Eutífron, que recebe esse nome em função de um dos diálogos de Platão. Basicamente é assim: Há algo bom por que Deus deseja que seja assim? Ou Deus deseja algo por que isso é bom? Se disser que algo é bom porque Deus deseja que seja assim, então o bem se torna arbitrário. Deus poderia ter desejado que o mal fosse bom, e então teríamos sido moralmente obrigados a odiar uns aos outros. Isso parece loucura. Alguns valores morais, ao menos, parecem ser necessários. Mas se você disser que Deus deseja algo por que isso é bom, então o que é bom ou mau independe de Deus. Nesse caso, valores e deveres morais existem independentemente de Deus, o que contradiz a primeira premissa.
Resposta ao dilema de Eutífron
Não precisamos refutar as duas alternativas do dilema de Eutífron, pois o dilema que nos é apresentado é falso: Existe uma terceira alternativa, a saber, Deus deseja algo porque Deus é bom. O que quero dizer com isso? Quero dizer que a própria natureza de Deus é o padrão do que é bom, e seus mandamentos para nós são expressão de sua natureza. Em síntese, nossos deveres morais são mandamentos de um Deus justo e bom.
Então, os valores morais não independem de Deus, pois o próprio caráter de Deus define o que é bom. Deus é essencialmente misericordioso, justo, bom, imparcial e assim por diante. Sua natureza e o padrão moral que define o bom e o mau. Seus mandamentos necessariamente refletem sua natureza moral. Portanto, eles não são arbitrários. Então, quando um ateísta disser, “Se Deus ordenasse que se abusássemos de uma criança, estaríamos obrigados a fazer isso?”, ele na verdade está perguntando algo assim: "Se houvesse um círculo quadrado, sua área seria o quadrado de um de seus lados? Não há resposta para isso, pois essa suposição é logicamente impossível.
Assim, o dilema de Eutífron nos apresenta uma falsa alternativa, e não devemos nos deixar enganar por ela. O que é moralmente bom ou mau é definido pela natureza de Deus, e o que é moralmente certo ou errado é determinado pela vontade de Deus. Deus deseja algo porque Ele é bom, e algo é certo porque Deus o deseja.
Platonismo moral ateísta: Os valores morais simplesmente existem
A menção a Platão nos traz à mente outra possível resposta à primeira premissa. Platão acreditava que o bem apenas existia por si mesmo, como uma espécie de ideia autoexistente. (Se você acha isso difícil de entender, junte-se ao time!) Pensadores cristãos posteriores equipararam o bem de Platão à natureza moral de Deus; mas Platão pensava que o bem apenas existia por si mesmo. Assim, alguns ateístas poderiam dizer que valores morais como a justiça, a misericórdia, o amor e assim por diante existem sem qualquer fundamento. Podemos chamar essa visão de platonismo moral ateísta. Ela delende que valores morais objetivos existem, mas não são fundamentados em Deus. O que podemos dizer dessa visão?
Resposta ao platonismo moral ateísta
Em primeiro lugar, o platonismo moral ateísta parece ininteligível. O que significa, por exemplo, dizer que o valor moral da justiça apenas existe? E difícil tirar algum sentido disso. É fácil compreender o que significa dizer que alguém é justo, mas é desconcertante quando alguém diz que a justiça existe por si só, na ausência de qualquer pessoa. Os valores morais parecem ser propriedades das pessoas, e é difícil entender como a justiça possa existir como uma abstração.
Em segundo lugar, essa visão não fornece uma base para os deveres morais. Vamos supor, a título de argumentação, que valores morais como a justiça, a lealdade, a misericórdia, a paciência e outros apenas existam. Como isso resultaria cm qualquer obrigação moral para mim? Por que eu teria um dever moral de ser, por exemplo, misericordioso? Quem ou o que imporia tal obrigação a mim? Note que, segundo essa visão, vícios morais como cobiça, ódio, apatia e egoísmo também presumivelmente existem por si só, como abstrações. Então, por que somos obrigados a alinhar nossa vida com um dos grupos desses objetos abstratamente existentes em vez do outro? O platonismo moral ateísta, pela falta de um legislador moral, não tem fundamentos para a obrigação moral.
Em terceiro lugar, é fantasticamente improvável que o processo evolutivo cego fosse capaz de cuspir precisamente o tipo de criaturas que correspondessem ao domínio abstratamente existente dos valores morais. Isso parece ser uma coincidência totalmente não crível, quando se pensa nela. É quase como se o domínio moral soubesse que estávamos chegando. E muito mais plausível, como Sorley defendia, pensar que o domínio moral e o domínio natural estão sob a autoridade de um Deus que nos deu tanto as leis da natureza quanto a lei moral, do que pensar que esses dois domínios independentes apenas se entrosaram por acaso.
Humanismo obstinado: O que quer que contribua para o progresso humano é bom
Então, o que um ateísta faz a esta altura? A maior parte deles quer afirmar a realidade objetiva dos valores e deveres morais. Então, eles simplesmente abraçam alguma espécie de humanismo e param por aí. O que quer que contribua para o progresso humano é bom e o que quer que o impeça é mau, e a história termina por aqui.
Resposta ao humanismo obstinado
No entanto, simplesmente tomar o progresso humano como ponto de parada final parece ser prematuro, devido a arbitrariedade e implausibilidade desse ponto.
Trataremos primeiro de sua arbitrariedade. Dado o ateísmo, por que acreditar que aquilo que conduz ao progresso humano seja de algum modo mais valioso do que aquilo que conduz ao progresso de formigas ou camundongos? Por que pensar que infligir o mal a outro membro de nossa espécie é algo errado? Quando fiz essa pergunta ao ceticista Walter Sinnott-Armstrong, em nosso debate sobre a existência de Deus, a resposta dele foi: “Porque simplesmente é. Objetivamente. Você não concorda?[3] É evidente que eu concordo ser errado infligir o mal a outro ser humano, mas disse a ele que não havia sido essa a minha pergunta. A pergunta que fiz foi: Por que isso seria errado se o ateísmo fosse verdadeiro? Quando fiz essa mesma pergunta a uma filósofa da Universidade de Massachusetts, Louise Antony, em nosso debate “Deus é necessário para a moralidade? , ela prontamente respondeu: “Eu me pergunto se você tem amigos. . Eu apenas sorri — mas o ponto continua sendo que, quer gostemos ou não, dada uma cosmovisão ateísta, escolher o progresso humano como moralmente especial parece ser arbitrário.
Falemos agora da questão da implausibilidade. Os ateístas às vezes dizem que propriedades morais, como a bondade ou a maldade, necessariamente se vinculam a certos estados naturais de coisas. Por exemplo, a propriedade da maldade necessariamente está vinculada à ação de um homem que bate na esposa. A propriedade da bondade necessariamente está vinculada ao fato de uma mãe amamentar seu bebê. Os ateístas dirão que, uma vez que as propriedades puramente naturais estão em seu devido lugar, então as propriedades morais as acompanham. Ora, dado o ateísmo, isso parece extraordinariamente implausível. Por que pensar que essas propriedades morais como a “bondade” e a “maldade”, estranhas e não naturais, sequer existam, quanto mais pensar que de algum modo elas necessariamente se vinculam a vários estados naturais de coisas? Não consigo enxergar uma boa razão sequer para pensar que, dada uma cosmovisão ateísta, uma descrição completa das propriedades naturais envolvidas em alguma situação determinaria ou estabeleceria quaisquer propriedades morais dessa situação.
Esses filósofos humanistas adotaram simplesmente uma abordagem às questões éticas semelhante a uma “lista de compras”. Por sustentarem o humanismo, eles só se servem das propriedades morais que precisam para sua tarefa. O que é preciso para tornar a visão deles plausível é algum tipo de explicação do porquê de propriedades morais se vincularem a certos estados naturais de coisas. De novo, é inadequado para um humanista afirmar que nós, de fato, vemos que os seres humanos possuem valor moral intrínseco, pois isso não está em discussão. Na verdade, essa é a segunda premissa do argumento moral! O que queremos dos humanistas é alguma razão para pensar que os seres humanos seriam moralmente importantes se o ateísmo fosse verdade. Da forma como está, o humanismo deles é apenas uma questão de crença moral obstinada.
Por contraste, Deus é um ponto de parada natural, como fundamento para valores e deveres morais objetivos. Pois, ao menos que todos sejamos niilistas morais, temos que reconhecer algum ponto de parada, e Deus, como realidade última, é o lugar natural para separar. Além disso, Deus é, por definição, digno de ser adorado, de modo que ele deve ser a personificação da perfeita bondade moral. Repito, Deus, por definição, é o maior dos seres concebíveis, e um ser que é o fundamento e a fonte da bondade é maior do que outro que meramente toma parte nessa bondade. Assim, o teísmo não se caracteriza pelo mesmo tipo de arbitrariedades e implausibilidade que aflige o humanismo obstinado.
SEGUNDA PREMISSA
Existem valores e deveres morais objetivos.
Isso nos traz a nossa segunda premissa, que afirma que existem valores e deveres morais objetivos. A princípio pensei que essa seria a premissa mais controvertida do argumento. No entanto, em meus debates com filósofos ateus, descobri que praticamente ninguém a refuta. Pode ser que você fique surpreso ao saber que pesquisas feitas em diversas universidades revelam que, talvez contrariando a primeira impressão, os professores em geral se mostram mais propensos em acreditar em valores morais objetivos do que os estudantes, e que os professores de filosofia se mostram mais propensos em acreditar em valores morais objetivos do que os demais professores!
Experiência moral
Os filósofos, ao refletir sobre nossa experiência moral, não veem razões para desconfiar dessa experiência mais do que veem para a experiência dos nossos cinco sentidos. Acredito naquilo que meus cinco sentidos me dizem, ou seja, que existe um mundo de objetos físicos à minha volta. Meus sentidos não são infalíveis, mas isso não me leva a pensar que não haja um mundo exterior à minha volta. Do mesmo modo, na ausência de alguma razão para desconfiar de minha experiência moral, devo aceitar o que ela me diz, isto é, que algumas coisas são objetivamente boas ou más, certas ou erradas.
A maioria de nós concorda que em experiências morais nós apreendemos valores e deveres objetivos. Quando estava participando de uma palestra, Há muitos anos, em uma universidade canadense, notei que havia um pôster colocado no campus pelo Centro de Informações sobre Agressão Sexual. Nele estava escrito: “Agressão sexual:
Ninguém tem o direito de abusar sexualmente de uma criança, de uma mulher ou de um homem”. A grande maioria reconhece que abusar sexualmente de outra pessoa é errado. Ações como estupro, tortura e abuso infantil não são apenas comportamentos socialmente inaceitáveis — são verdadeiras abominações morais. Pelo mesmo motivo, o amor, a generosidade e o autossacrifício são realmente bons. Pessoas que não conseguem ver isso são as que simplesmente possuem alguma deficiência, o equivalente moral de alguém que seja fisicamente cego, e não há nenhum motivo para permitir que a incapacidade delas coloque em questão aquilo que vemos com clareza.
Descobri que, embora as pessoas falem de relativismo da boca para fora, 95 por cento delas pode ser rapidamente convencidas de que os valores morais objetivos de fato existem. Tudo que preciso e dar algumas ilustrações e deixar que decidam por si mesmas. Pergunte a elas o que pensam da prática hindu de queimar viva uma viúva no funeral do marido, ou o que pensam do costume chinês de aleijar mulheres pelo resto da vida, ao atar seus pés desde a infância para que fiquem parecidos com flores de lótus. Você pode deixar a questão especialmente eficaz ao citar atrocidades morais cometidas em nome da religião. Pergunte a elas o que pensam das Cruzadas e da Inquisição. Pergunte a elas se acham certo que padres católicos abusem sexualmente de garotos pequenos e se é normal a igreja tentar encobri-los. Se você estiver lidando com alguém que seja honesto em seus questionamentos, posso garantir que em praticamente todos os exemplos citados essa pessoa vai concordar que existem valores e deveres morais objetivos.
E evidente que algumas vezes você se verá frente a frente com durões, mas em geral a posição que eles defendem parecerá tão extrema que será rejeitada pelos demais. Por exemplo, há alguns anos, em um encontro da Sociedade de Literatura Bíblica, assisti a um painel de discussão sobre Autoridade bíblica e homossexualismo”, onde todos os participantes do painel endossavam a legitimidade da atividade homossexual. Um deles descartava as proibições bíblicas de tal atividade com o argumento de que elas refletiam o contexto cultural em que foram escritas. Uma vez que esse é o caso de todas as ordens dadas nas Escrituras (pois a Bíblia não foi escrita no vazio), ele concluiu dizendo que “não existem nas Escrituras verdades morais atemporais e normativas”. Na discussão que se seguiu, eu argumentei que uma visão como a dele leva ao relativismo sociocultural, o que torna impossível criticar os valores morais de qualquer sociedade, inclusive de uma sociedade que persiga os homossexuais!
Ele respondeu com uma lenga-lenga teológica meio obscura e alegou que não há lugar fora das Escrituras onde possamos encontrar valores morais atemporais também. “Mas isso é precisamente o que chamamos de relativismo moral”, disse eu. “De fato, na sua visão não há conteúdo para a noção da bondade de Deus. Ele poderia estar perfeitamente morto. E Nietzsche reconheceu que a morte de Deus leva ao niilismo”. Nesse momento outra participante do painel se manifestou com uma refutação do tipo cala-boca: “Bem, se você vai começar a ser pejorativo, podemos perfeitamente deixar de discutir a questão”.
Acomodei-me em meu assento, mas aquela questão não estava superada pela audiência. Um homem da platéia se levantou e disse: “Espere um pouco. Estou confuso. Sou pastor e as pessoas sempre vem até mim e perguntam se algo que fizeram é errado e se precisam ser perdoadas. Por exemplo, o abusar de uma criança não é sempre errado?”. Eu mal acreditei na resposta de um dos participantes do painel. Ela disse: “O que pode ser classificado como abuso muda de sociedade para sociedade, de modo que não podemos de fato usar a palavra abuso sem associá-la a um contexto histórico”.
“Chame como você quiser”, insistiu o pastor, “mas abusar de criança é algo prejudicial a ela. Não é errado prejudicar uma criança?”. Mas nem assim a participante do painel que estava discutindo com ele admitia o que ele estava tentando mostrar! Esse tipo de dureza de coração é, em última análise, como um tiro que sai pela culatra em relação ao relativismo moral, e expõe aos olhos da maioria das pessoas a decadência dessa cosmovisão.
Objeções sociobiológicas à experiência moral
A questão, então, é a seguinte: Temos alguma razão primordial para não confiar em nossa experiência moral? Alguns alegam que a explicação sociobiológica das origens da moralidade debilita nossa experiência moral. Segundo essa explicação, como todos se lembram, nossas crenças morais foram incutidas em nós pela evolução e pelo condicionamento social. Isso nos dá razão para desconfiar de nossa experiência moral?
Resposta às objeções sociobiológicas
A explicação sociobiológica claramente nada faz para diminuir a verdade de nossas crenças morais. Pois a verdade de uma crença independe de como alguém veio a sustentá-la. Você pode ter adquirido suas crenças morais por meio de um biscoitinho da sorte ou da leitura de folhas de chá, e ainda assim pode acontecer de elas serem verdadeiras. Em particular, se Deus existe, então existem valores e deveres morais objetivos, a despeito de como viemos a aprendê- -los. A explicação sociobiológica, na melhor das hipóteses, prova que nossa percepção dos valores e deveres morais evoluiu. Mas se os valores morais são gradativamente descobertos, e não inventados, então nossa percepção gradual desses valores não diminui mais sua realidade objetiva do que a percepção falível e gradual que temos do mundo físico diminui sua realidade objetiva.
Mas talvez a explicação sociobiológica diminua não a verdade de nossas crenças morais, mas sim nossas justificativas para sustentá-las. Se suas crenças morais estiverem baseadas na leitura de folhas de chá, elas podem acidentalmente até mesmo virem a ser verdadeiras, mas você não terá qualquer justificativa para pensar que elas são verdadeiras. Assim, você não saberia que elas são verdadeiras.
Do mesmo modo, a objeção é que, se nossas crenças morais foram moldadas pela evolução, então não podemos ter qualquer confiança nelas, pois a evolução tem como alvo não a verdade, mas a sobrevivência. Nossas crenças morais serão escolhidas por seu valor em face da sobrevivência, não por sua verdade. Assim, não podemos confiar em nossa experiência moral e, portanto, não sabemos se a segunda premissa é verdadeira.
Existem dois problemas com essa objeção para nosso conhecimento da segunda premissa. Primeiro, essa objeção assume que o ateísmo é verdade. Se Deus não existe, então nossas crenças morais são selecionadas pela evolução unicamente por seu valor para a sobrevivência, e não por sua verdade. Eu mesmo forcei esse ponto na defesa da primeira premissa. Se Deus não existe, então a explicação sociobiológica é verdadeira, e nossas crenças morais são ilusórias. Mas veja bem, não há razão para pensar que a explicação sociobiológica seja verdadeira. Na verdade, se Deus existe, então é provável que ele quer que tenhamos crenças morais fundamentalmente corretas e, por isso, teria guiado o processo evolutivo para produzir tais crenças ou as teria incutido em nós (Rm 2.1 5). Deixando de lado a presunção feita pelo ateísmo, nós não temos razões para negar o que nossa experiência moral nos diz.
O segundo problema com essa objeção é que ela é autodestrutiva. Dada a verdade do naturalismo, todas as nossas crenças, e não apenas as nossas crenças morais, são fruto da evolução e do condicionamento social. Assim, a explicação evolucionaria leva ao ceticismo acerca do conhecimento em geral. Mas isso é um argumento autodestrutivo, pois então deveríamos ser céticos em relação ao próprio processo evolucionário. Uma vez que ele também é fruto da evolução e do condicionamento social! A objeção, portanto, destrói a si mesma. Então, dada a garantia fornecida pela segunda premissa por nossa experiência moral, temos justificativas para pensar que os deveres e valores morais existem.
Conclusão
A partir das duas premissas de que falamos, segue-se que Deus existe. O argumento moral complementa o argumento cosmológico e o argumento do design ao nos falar sobre a natureza moral do Criador do universo. Ele nos dá um ser pessoal, necessariamente existente, que não só é perfeitamente bom, mas cuja natureza é o padrão de bondade e cujas ordens se constituem em nossos deveres morais. Na minha experiência pessoal, o argumento moral é o mais eficaz de todos os argumentos em favor da existência de Deus. Digo isso a contragosto, pois meu argumento favorito é o cosmológico. Mas os argumentos cosmológico e teológico não alcançam as pessoas onde elas estão. O argumento moral não pode ser tão facilmente deixado de lado. Pois, a cada novo dia, você responde a pergunta se existem ou não deveres e valores morais pelo modo como você vive. É inevitável. Portanto, respondendo a pergunta com que abri o capítulo: Não, nós não podemos ser verdadeiramente bons sem Deus; mas se nós podemos ser bons, em alguma medida que seja, então se segue que Deus existe.
Por William Lane Craig
Extraído do Livro "EM GUARDA - Defenda a fé Cristã com Razão e Precisão"
Cap.6, Pág. 138-158 - PODEMOS SER BONS SEM DEUS?
Tradução Marisa K. de Siqueira Lopes. São Paulo: Vida Nova, 2011.
Notas:
1 - Charles Darwin, The Descent of Man and Selection in Relation to Sex. Nova Iorque: D. Appleton & Company, 1909, p. 100.
2 - William Lane Craig e Paul Kurtz, “The Kurtz/Craig Debate”, in Goodnes. without God is Good Enough, ed. Robert Garcia e Nathan King. Lanham: Rowman & Littlefield, 2008, p. 34.
3 - William Lane Craig e Walter Sinnott-Armstrong, God?: A Debate between a Christian and an Atheist. New York: Oxford University Press, 2003, p. 34.
0 comentários:
Postar um comentário