Salomão é o mais extravagante de todos os personagens das Escrituras Sagradas. Pode ser chamado, sem erro, de polivalente, superdotado e exagerado. Viveu mil anos antes de Cristo. Era filho de Davi e “da que fora mulher de Urias” (Mt 1.6). Foi educado pelo profeta Natã (2 Sm 12.24-25). Assentou-se no trono de Israel por decisão do próprio pai (1 Rs 1.28-31). Foi uma expressão da misericórdia divina, uma vez que descendeu exatamente da mulher com a qual Davi adulterou. Seu nome está na árvore genealógica de Jesus Cristo, pois “onde aumentou o pecado, a graça de Deus aumentou muito mais ainda” (Rm 5.20, BLH). Salomão foi um fenômeno quanto à capacidade e à diversidade de trabalho.


Salomão, o governante 

Salomão foi o segundo rei de Israel. Reinou por quarenta anos, de 970 a 930 a.C. Projetou-se dentro e fora do país. Está escrito que todos os habitantes de Israel tinham profundo respeito ao rei “porque viram que havia nele a sabedoria de Deus para fazer justiça” (1 Rs 3.28), e que “pessoas do mundo inteiro queriam ir ouvir a sabedoria que Deus lhe havia dado” (1 Rs 10.24, BLH). A rainha de Sabá confessou a Salomão: “Tudo aquilo que eu ouvi no meu país a respeito de você e da sua sabedoria é de fato verdade. Porém eu não pude acreditar até que vim e vi com os meus próprios olhos. Acontece que não tinham me contado nem a metade. A sua sabedoria e a sua riqueza são muito maiores do que eu ouvi dizer.” (1 Rs 10.6-7, BLH.)

Não obstante todo esse sucesso, os habitantes do norte de Israel queixavam-se do jugo demasiadamente alto imposto por Salomão (1 Rs 12.1-4).

Salomão, o sábio 

Quando era muito jovem e não sabia governar, Salomão pediu sabedoria a Deus para reinar com justiça e saber a diferença entre o bem e o mal (1 Rs 3.6-9). Deus então lhe deu sabedoria e inteligência, como ninguém teve antes e depois dele (1 Rs 4.29-31).

O marco histórico de sua sabedoria foi quando ele julgou o caso daquelas prostitutas que brigavam entre si pela posse do filho vivo.

Salomão, o construtor 

Só para construir o templo de Jerusalém (9 metros de largura e 27 de comprimento), Salomão gastou sete anos e meio (1 Rs 6. 37-38) e empregou 183.600 trabalhadores, entre cortadores de madeira, carregadores, talhadores de pedra e chefes de obra (1 Rs 5.13-18). Nos treze anos seguintes, construiu outros edifícios: a Casa do Bosque do Líbano (22 metros de largura e 44 de comprimento), o Salão das Colunas (13,5 metros por 22), a Sala do Trono, sua própria residência e a residência da esposa mais sofisticada (1 Rs 7.1-12). Salvo engano, as três primeiras construções mediam 1.508 metros quadrados.

Salomão fez também serviços de terraplenagem em Jerusalém (o aterro das depressões situadas no lado leste da cidade), levantou as muralhas de Jerusalém e construiu várias cidades, inclusive as cidades armazéns (1 Rs 3.1; 9.15-19; 11.27).

Se tudo isso não bastasse, Salomão construiu um estaleiro em Eziom-Geber, na praia do Mar Vermelho (1 Rs 9.26). Para aproveitar a madeira de sândalo que vinha pelo mar da terra de Ofir, o rei mandou construir corrimões para o templo e para o palácio e instrumentos musicais (harpas e liras) para os músicos (1 Rs 10.12-13).

Salomão, o cientista 

Salomão era um estudioso de botânica e de zoologia. Discorreu sobre todas as plantas, desde a árvore de grande porte, como o cedro do Líbano, até o hissopo, uma espécie de samambaia, que brota no muro (1 Rs 4.33). Daí as referências que ele faz à “árvore de incenso”, aos “canteiros de bálsamos”, aos “jardins de nogueiras” e às “ervas aromáticas”, nos Cantares de Salomão.

Ele discorreu também sobre todos os animais, quadrúpedes, aves, répteis e peixes. Daí as referências ao caminho da águia no céu e da cobra na penha, ao trabalho das formigas, à casa dos arganazes nas rochas, à marcha dos gafanhotos em bandos e ao porte ereto do galo. De tudo tirava lições práticas e morais. É célebre a sua advertência contra a preguiça com base no comportamento da formiga: “Preguiçoso, aprenda uma lição com as formigas! Elas não têm líder, nem chefe, nem governador, mas guardam comida no verão, preparando-se para o inverno” (Pv 6.6-8, BLH).

Salomão, o homo religiosus 

A Bíblia diz que Salomão amava o Senhor e seguia os conselhos de seu pai para andar no caminhos de Deus (1 Rs 2.1-4; 3.3).

Quatro anos depois de começar a reinar e antes de construir qualquer outra obra, fez questão de erguer a casa do Senhor, à qual se entregou de corpo e alma (1 Rs 6.1-38). Com essa construção, Salomão gastou quase 20% do tempo de seu reinado.

Salomão mesmo dirigiu a solenidade de inauguração e consagração do templo. A oração que ele fez então tem sido repetida em cerimônias semelhantes ao redor do mundo até hoje. É uma peça de extraordinária beleza (1 Rs 8.22-53). No final da solenidade, o rei sacrificou 22 mil bois e 120 mil ovelhas, mais de 12 vezes todo o rebanho de Jó e quase 260 vezes o rebanho que Jacó ofereceu a Esaú (Jó 1.3; Gn 32.13-15; 1 Rs 8.63).

Salomão escreveu três dos 66 livros da Bíblia: Provérbios, Eclesiastes e Cantares. É o escritor que mais menciona a expressão “temor do Senhor”.

Salomão, a consciência missionária 

Salomão possuía mais visão missionária do que qualquer outro rei de Israel, exceto Davi.

Na oração de consagração do templo, ele pediu: “Quando um estrangeiro que viver numa terra bem longe daqui ouvir falar da tua fama e das grandes coisas que tens feito pelo teu povo e vier te adorar e orar a ti com rosto virado para este Templo, ouve a sua oração. Lá do céu onde vives, escuta-o e faze tudo o que ele te pedir, para que todos os povos da terra possam te conhecer e temer, como faz o teu povo de Israel. Então eles ficarão sabendo que este Templo que eu construí é o lugar onde deves ser adorado.” (1 Rs 8.41-43.)

Depois da oração, Salomão expressou o desejo de que “todos os povos da terra saibam que o Senhor é Deus, e que não há outro” (1 Rs 8.60).

Uma das partes integrantes do templo que ele construiu sugere a preocupação com o mundo inteiro. Era um enorme tanque redondo de bronze (2,2 metros de profundidade, 4,4 metros de diâmetro e 13,2 metros de circunferência), que comportava cerca de 40 mil litros de água e que se apoiava sobre as costas de doze touros também de bronze virados para fora: três para o norte, três para o oeste, três para o sul e três para o leste (1 Rs 7.23-26). Isso lembra os quatro portões da área do templo, um para cada ponto cardeal (1 Cr 9.24), e as doze portas da Nova Jerusalém, três a leste, três ao norte, três ao sul e três a oeste (Ap 21.13). Lembra em especial as palavras de Jesus: “Muitos virão do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul e tomarão lugares à mesa no reino de Deus” (Lc 13.29).

Salomão chamava a atenção do mundo inteiro e os visitantes viam nele a presença de Deus. A rainha de Sabá lhe declarou: “Bendito seja o Eterno, o seu Deus, que ficou tão contente com você que o tornou rei de Israel! O amor dele por Israel é eterno; por isso Ele o tornou rei de Israel, para que você possa manter a lei e a justiça” (1 Rs 10.9, BLH).

Salomão, o escritor 

Salomão escreveu mil e cinco cânticos e três mil provérbios. O Cantares de Salomão é o “cântico dos cânticos”, o melhor de todos. É o único que aparece na Bíblia, além de um dos quinze cânticos de romagem (Salmo 127). Dos três mil provérbios, muito menos da metade está na Bíblia, sob o título Provérbios de Salomão. Se cada versículo de Provérbios fosse um provérbio, teríamos então 915 provérbios, somente um terço de toda a sua produção.

Seus livros revelam um impressionante conhecimento da natureza humana. Não será exagero afirmar que Salomão era mais psicólogo que alguns psicólogos e ministros religiosos de hoje. Ele menciona detalhadamente a estratégia da mulher prostituta na sedução de um jovem. Fala sobre o perigo da jactância: “A desgraça está um passo depois do orgulho; logo depois da vaidade vem a queda” (Pv 16.18, BV). Salomão entendia muito do comportamento feminino: da mulher adúltera, da mulher briguenta, da mulher virtuosa. Conhecia bem a índole do homem preguiçoso, do homem ganancioso, do homem iracundo. Escreveu conceitos tremendamente atuais sobre um governo injusto.

Salomão, o defensor da moral sexual 

Salomão escreveu abertamente contra a prostituição e o adultério, mais do que qualquer outro autor bíblico. Em nenhum momento ele é impreciso. A sua ojeriza ao adultério muito provavelmente tem relação com o adultério de seu pai e sua mãe, quando esta ainda era esposa de Urias (2 Sm 11.1-5). Esse grave escândalo trouxe conseqüências desastrosas para Davi, para a família e para a nação. Foi um parêntesis enorme e muito sofrido na vida até então bem sucedida do primeiro rei de Israel. O peso da mão de Deus quase esmagou Davi, fazendo com as suas forças “o que a seca faz com um pequeno riacho” (Sl 32.4, BV). É, portanto, muito natural que Salomão odiasse o adultério.

Ao mesmo tempo, Salomão não carregava qualquer ranço contra o sexo em si. Entre uma passagem e outra contra o adultério, ele ensinava: “Bebe a água da tua própria cisterna, e das correntes de teu poço” (Pv 5.15), isto é, “seja fiel à sua mulher e dê o seu amor somente a ela”, como traduz A Bíblia na Linguagem de Hoje. Mais de mil anos depois, Paulo dá o mesmo conselho: “Porque existe tanta imoralidade, cada homem deve ter a sua própria esposa, e cada mulher, o seu próprio marido” (1 Co 7.2, BLH).

Embora seja ainda uma questão aberta a autoria dos Cantares de Salomão, esse poema enaltece abertamente o amor apaixonado e sexual entre esposos, mais do que qualquer outro autor bíblico. “O tema do gozo e da consumação sexual percorre o livro todo”, lembra o professor G. Lloyd Carr, e o “compromisso é o cerne desse relacionamento” (Eclesiastes e Cantares, introdução e comentário, p. 215). No poema de Salomão, acrescenta Lloyd, não há a figura “do macho agressivo, nem da fêmea relutante, ou vitimada: ambos se tornam um, em seus anseios, porque estes lhe foram dados por Deus”

Salomão, o pecador 

Salomão desobedeceu duas normas que diziam respeito aos reis: “O rei não deverá ter muitas mulheres, pois isso o levaria a abandonar a Deus. E também não ajuntará para si muita prata e ouro.” (Dt 17.17, BLH.) Ele chegou a ter “setecentas mulheres, princesas, e trezentas concunbinas” (1 Rs 11.3), além de amontoar “para si prata e ouro, e tesouros de reis e de províncias” (Ec 2.8).

Muito mais grave foi a quebra do mandamento que diz: “Não contrairás matrimônio com os filhos dessas nações” (Dt 7.3; 2 Rs 11.2). Salomão amou muitas mulheres estrangeiras e a elas se apegou pelo amor: moabitas, amonitas, edonitas, sidôneas e hetéias (1 Rs 11.1-2), além da filha de Faraó (1 Rs 3.1). Entre o Salomão da história e o Salomão dos Cantares há uma grande diferença: o primeiro amou muitas mulheres e o segundo declara que amou apenas uma, “aquela que é perfeita como uma pomba” (Ct 6.9).

Quando já velho, as mulheres estrangeiras lhe perverteram o coração e ele deixou de ser de todo fiel para com o Senhor. Foi nessa ocasião que Salomão cometeu a loucura de construir santuários para os deuses de cada uma delas (1 Rs 11.5-8). Esses lugares de adoração expressamente proibidos — “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20.3) — só foram profanados pelo rei Josias, três séculos depois, lá pelo ano de 640 a.C. (2 Rs 23.13).

Salomão, o entediado 

Uma vez balançados os alicerces do temor do Senhor, Salomão entrou numa grande depressão. Perdeu o prazer de viver. Os bens até então acumulados não tiveram mais significado: casas, vinhas, jardins, pomares, açudes, escravos comprados e escravos nascidos em casa, rebanhos de gado e ovelhas, prata, ouro, tesouros, cantores e cantoras, mulheres à farta, grandeza e muita fama (Ec 2.4-11). Queixou-se da eterna mesmice: “O que aconteceu antes vai acontecer outra vez, o que foi feito antes será feito novamente, não há nada de novo neste mundo” (Ec 1.9, BLH). Afirmou que tudo é vaidade: a vaidade das possessões, a vaidade da sabedoria, a vaidade do trabalho, a vaidade das riquezas (Ec 2.1-26; 5.8-6.12). É como correr atrás do vento, atrás do nada (Ec 1.14; 2.11; 17.26).

Salomão ficou emocionalmente enfermo. A doença era complexa, desgastante e prolongada. Ele experimentou uma crise existencial pavorosa, relacionada com a crise religiosa e dela decorrente. Daí a pergunta atroz: “Sem Deus, como teríamos o que comer ou com que nos divertir?” (Ec 2.25.) Talvez ele tivesse se lembrado de um de seus trinta provérbios: “Quem é fraco numa crise é realmente fraco” (Pv 24.10).

Salomão, o restaurado 

O pai de Salomão adulterou e mandou matar o marido traído. Depois caiu em si, confessou seu pecado e foi plenamente restaurado (Sl 32.1-5). Pedro negou vergonhosamente a Jesus três vezes. Depois, chorou com amargura de alma e foi restaurado na presença dos discípulos (Jo 21.15-17). E Salomão?

Na oração de consagração do templo, Salomão admitiu a possibilidade do pecado — “não há ninguém que não peque”— e suplicou o perdão de Deus para o culpado, quando ele cair em si, confessar o pecado e converter-se de novo (1 Rs 8.46-50).

Embora não haja nenhuma narrativa explícita de seu arrependimento e restauração, o livro de Eclesiastes deixa claro que Salomão não terminou os seus dias em pecado. Esse livro é um dos mais belos livros de confissões, do princípio ao fim. Com impressionante sinceridade, ele põe a sua alma para fora.

No final de Eclesiastes, Salomão se esquece de seus problemas emocionais e se dirige pessoal e apelativamente aos seus leitores.

Para quem há pouco tempo se curvou a outros deuses por pressão das mulheres estrangeiras, é muito significativo chamar Deus de o “único Pastor de todos nós” (12.11, BLH).

Para quem viveu intensamente, é muito significativo resumir todas as experiências nesta palavra: “De tudo o que foi dito, a conclusão é esta: Tema a Deus e obedeça aos seus mandamentos, porque foi para isso que fomos criados” (12.13, BLH).

Para quem se deixou relaxar na velhice, é muito significativo fazer a mais conhecida e a mais citada de todas as admoestações: “Lembre-se do seu Criador enquanto você é jovem, antes que venham os maus dias... antes que se inicie o processo da decrepitude e antes que a vida acabe e o corpo volte para o pó da terra de onde veio e o espírito volte para Deus, que o deu (12.1-7, BLH).

Para quem não se negou a si mesmo, deu vasão aos amores proibidos e cometeu idolatria, é muito significativo colocar-se contra a permissividade e aconselhar os jovens a considerar o julgamento de Deus: “Jovem, aproveite a sua mocidade... faça tudo o que quiser... mas lembre-se de uma coisa: Deus o julgará por tudo o que você fizer” (Ec 11.9, BLH).



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